30 junho 2005

isso é um problema

as pessoas costumam sair da graduação achando que precisam de uma hipótese e tal e coisa pra poder fazer uma monografia/dissertação/tese. bobagem. aliás, acham que eu não pensava isso? tudo porque as graduações de comunicação, hoje em dia, estão cada vez mais voltadas pro mercado. jornalismo (ou comunicação em geral) não é apenas PROFISSÃO. quer uma PROFISSÃO, vai lá pra escola técnica que tu sai um profissional de primeira, porque o ensino nessas escolas é voltado pro que elas se propõe, e costuma ser bem bom, obrigada.

hoje o sujeito entra na faculdade de comunicação com toda a garra pra ... fazer TV, falar no rádio, ser assessor de imprensa ou simplesmente escrever num jornal. aí chega a primeira aula de filosofia e o sujeito berra. ciência política e o cara tem um infarto. ética e pronto: deu pro moço. o professor de redação pede uma resenha de livro por semana e já era o marcapasso. tem que ver o horror que é a cara que o colega faz quando tu diz que é importante LER. ler, sim, esse ler não metafórico, baseado na concretude do ato de pegar uma coisa cheia de linhas e palavras e frases e LER.

o resultado acaba sendo que as universidades mudam os currículos das escolas de comunicação, dando ênfase bárbara ao mercado, ao conhecimento DA TÉCNICA, e não ensinam o sujeito a aprender a pensar. digo ensinar a aprender a pensar porque ensinar a pensar não existe. claro que o curso de jornalismo não deve estar formando jovens cientistas, mas o mínimo de teoria, o mínimo de reflexão e filosofia são ABSOLUTAMENTE essenciais pro jornalista, pro comunicador em geral. e eu não digo COMUNICÓLOGO, que é o cara que estuda a comunicação (mestrandos, doutorandos, pesquisadores). comunicadores mesmo: teoria e prática precisam andar juntas, seus manés!

o que acaba acontecendo é que o sujeito vai lá fazer mestrado. porque é bonito, porque acha que dá status, porque O MERCADO EXIGE QUALIFICAÇÃO. então cai fora, porque mestrado e doutorado é tudo, menos MERCADO. a não ser que tua carreira dentro da comunicação seja a de ser professor - E É O MEU CASO -, mestrado e doutorado não são pra qualificar um profissional. pra isso existe a ESPECIALIZAÇÃO. e o mercado que exigir mestrado pro cara trabalhar numa agência, por exemplo, tá comendo maionese estragada na janta todos os dias: para de delirar que a salmonela é grave mas tem cura.

exigem, meio sem pensar muito nisso, uma monografia de conclusão. aí os professores (muitos não tem mestrado, o que ajuda a propagar a falta de conhecimento no campo científico (o que não é regra, porque muitos professores APENAS GRADUADOS me passaram boa teoria e base pra reflexão) chegam pra ti naquela malfadada monografia de conclusão, o famoso TC, ou TCC, e te dizem: "olha, filho, qual é tua hipótese?"

dá que o sujeito se apavora e quando começa a fazer cogitações acha que encontrou a hipótese, ainda que não saiba muito bem o que significa ou o que fazer com ela. e chega no mestrado se descabelando porque não tem hipótese.

pois a hipótese tu vai achar, quando muito, lá pro final do trabalho. o que é preciso é um problema. e UM PROBLEMA decente. ninguém sabe muito bem o que é um problema ou qual é o SEU problema quando chega em um mestrado. se confunde todo entre OBJETO, tema, corpus, PROBLEMA DE PESQUISA.

o problema de pesquisa é simples. mas tu só acha simples depois que tu encontra o merdinha. antes disso, só desespero. esse maldito toma forma de pergunta, ou de recorte. em geral se lida com perguntas. mas nada como "Esse jornal é sensacionalista?". mesmo tendo que conceituar o "sensacionalista" (e, às vezes, até o "jornal"), no fim tu vai ter uma resposta SIM ou NÃO. e também não dá pra ser uma pergunta cuja resposta tu já sabe e só enrola o tempo todo pra poder CONFIRMAR tudo o que tu sempre pensou sobre o assunto.

o POPER, Karl tem dois modelos para a aprendizagem. eu, particularmente, gosto mais do MODELO DE 4 FASES:
1. problema
2. tentativa de solução (elaboração teórica)
3. eliminação da solução (crítica, OBJEÇÃO - fase da experimentação, da pesquisa)
4. novos problemas

de uma maneira geral, tu não sai do mestrado ou do doutorado com perguntas respondidas, mas com PERGUNTAS MELHORES. o conhecimento tem um aspecto interessante: ele não gera só saberes, mas questões mais profundas, melhores, mais bem formuladas, mais coerentes. tanto é que a maior verdade da vida, além da CERTEZA DA MORTE, é que quanto mais se sabe, mais se é ignorante, porque tu SABE AQUILO QUE TU NÃO SABE.

ter consciência da própria ignorância é o passo fundamental do cientista, do ...ólogo. saber que sabe pouco é a única forma de estar aberto a saber mais. saber que não existe VERDADE é obrigação do pesquisador. e tem uma coisa: as coisas estão certinhas demais, tudo está seguro e tu tá certo daquilo que tu tá pesquisando, cheio de respostas? duvida. duvida mesmo, porque tem algo errado. não por causa da Lady Murphy. porque não tem pesquisa se tu já sabe tudo.

e vocês me dêem licença, sim, que eu vou ali tensionar meu objeto à teoria.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Ana será que há possibilidade de você entrar em contato comigo? Eu tentei te enviar um email mais voltou, sou de Campinas e me interessei pelos seus estudos, estou no mesmo caminho.
Abraços
talymaly@gmail.com

17:12  
Blogger Carla Arend said...

sim, e eu pensei que encontraria um problema em uma semana, no ano passado.

:)
ler
ler
ler

li
li
li

e ainda não tenho um problema. as pessoas têm solucionado muitas coisas nos últimos tempos.

21:27  

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